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Já passaram uns dias, outro jogo está à porta, mas o efeito da noite europeia continua presente. Continuo extasiado com tudo aquilo, adormeço e acordo com o desfile daquelas imagens, não tivesse o Benfica essa capacidade única para me tornar numa criança de novo. Ver o Benfica vencer uma equipa de topo na prova máxima do futebol europeu, fora de casa, com a garotada a dar chocolate e a decidir o jogo, jogando com o histórico branco da camisola alternativa mais bela das últimas décadas, é algo que me acompanhará durante longos anos. Foi tudo perfeito, o cosmos começa finalmente a querer colocar as coisas no sítio para que este sonho se concretize.
Mas desta vez quero particularizar os elogios, porque há um jogador que me enche as medidas, como eu já não me lembro de ver ninguém no Benfica conseguir.
É moda hoje dizer-se que Gaitán é o jogador mais talentoso da equipa. Ora, como não confundo talento com valor de mercado, que depende sempre da idade, sou obrigado a discordar. Gaitán é um extraordinário desequilibrador, mas não está no mesmo patamar de Jonas. Não, porque seja limitado de alguma maneira, mas porque Jonas está num patamar só dele, no que à capacidade intelectual para jogar futebol diz respeito. Tudo bem, eu sei que Gaitán também é o melhor jogador do mundo, tal como o Júlio César também é, e que a bola de ouro de Semedo em 2018 é uma mera formalidade, mas Jonas é o melhor do mundo mais um bocadinho. Na verdade, Jonas será o melhor do mundo mesmo quando tiver 80 anos, apenas não terá a capacidade física necessária para acompanhar o intelecto, o que dará a oportunidade a outros de o serem. Outros que até poderão ser mais dotados tecnicamente, mais rápidos, mais fortes, mas nunca terão o talento do Jonas para pensar um jogo de futebol. É impossível.
A maioria dos seus jogos são Tratados vivos, em movimento, sobre como bem jogar futebol, sobre a leitura de jogo no futebol. Não são os pés de lã que mais impressionam, o talento puro para tratar a bola com conta, peso e medida em todo os seus gestos técnicos, ou o facto de fazer golos com o pior pé que outros não fariam com o melhor, ou a capacidade para desequilibrar no jogo aéreo mesmo não tendo a envergadura física de outros, ou a responsabilidade que considera ter e assume para entreter as bancadas, ou o facto de dançar entre os rivais, dando muitas vezes a sensação que irá perder a bola, mas sem que tal acabe por acontecer. O que mais impressiona com Jonas é a realização do seu pensamento, é sentirmos que os recursos técnicos são o acessório, a consolidação daquilo que realmente o torna especial: a inteligência.
Jonas é o jogador que se ri daquilo que se ensina aos miúdos, do 1-2, de primeiro receber e depois virar. Com o Atlético, equipa exemplar na forma como pressiona com agressividade, perdi a conta às vezes que tirou adversários do caminho abdicando da recepção, com uma simples simulação de corpo. Antes da bola lhe chegar, já sabe como vai tirar o adversário do caminho, sem sequer lhe tocar. A visão periférica é de outro mundo, basta observar a rapidez com que em curtíssimos espaços de tempo olha para um e outro lado, para perceber que está sempre ao corrente de tudo o que se está a passar à sua volta. É daqueles jogadores que vai com a bola num 3 para 3 e não cede à tentação de libertar rapidamente a bola no colega, por receio que lhe chamem egoísta, é capaz de perceber que a melhor jogada é usar o apoio dos colegas para terminar a jogada sozinho, peçam as bancadas o que pedirem. Jonas rima com decidir bem, com ler bem.
Depois há algo ainda mais fascinante e que acontece com poucos jogadores. Na bancada ou na televisão, temos o hábito de dizer "faz isto", "faz aquilo", "dá agora", "olha aquele solto na esquerda", "não tens hipótese, dá atrás", etc, e há jogadores que parecem ter uma facilidade superior para perceber à altura do relvado aquilo que o adepto está a ver de uma perspectiva muito mais favorável. Jonas é um desses jogadores, mas leva-o para outro grau, consegue arranjar soluções que o comum adepto, lá de cima, nem sabia que existiam, nunca as viu, daquelas que nos apanham tão de surpresa que até provocam gargalhadas. O futebol de Jonas, de uma ponta à outra, é prazer puro, só se pode ver com um sorriso na cara. Elegância, criatividade, eficácia, garra. Jonas é o protótipo do futebolista ideal.
Como se não bastasse, é o tal jogador à Benfica que idealizo. Não o jogador à Benfica a quem basta correr muito e ser viril para assim ser considerado, mas o jogador que está ao nível do Benfica em todos os sentidos: no espírito de sacrifício, mas também no talento, no saber estar, na percepção de onde está, na consciência do carácter especial do clube que representa, na epicidade com que sabe ser ídolo de quem ama o Benfica. Jonas é o espírito de sacrifício de Luisão, o talento de Aimar, o saber estar de Júlio César, a epicidade de Cardozo. Jonas é um ídolo à antiga, é o Paneira moderno. Até de botas pretas joga, veja-se bem o quão raro é no futebol moderno. Jonas é o tipo que de meias em baixo, e com aquele andar de rei deste mundo e de todos os outros, ajeita o material ao ser substituído na maior das calmas. Jonas questiona a minha sexualidade, não há limite para o nível da sua epicidade. Por tudo isso, é a grande figura desta equipa, a mais memorável, a mais especial, a mais Benfica.
A Gala do sorteio da Liga foi também marcada pela atribuição dos prémios individuais da anterior edição.
Gonçalo Guedes, um dos maiores talentos da formação do Benfica, venceu o prémio de jogador revelação da 2ª Liga, depois de uma grande 1ª volta que fez na época passada.
O melhor guarda-redes, foi aquele que vinha para cá passar férias, e mesmo a passar férias conseguiu ser o melhor. Imaginemos então se viesse para jogar a sério.
O melhor jogador foi aquele que também vinha cá para se arrastar até ao fim da carreira, e que bem que Jonas se arrastou por esse campeonato. Pena é, que Jonas só tenha subido uma vez ao palco, e não duas como devia ter acontecido.
Do futebol ao hóquei, do basquetebol ao voleibol, uma visão livre, imparcial e plural do Sport Lisboa e Benfica.
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