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Inferno na Luz

por sarahatesyou, em 14.02.16

 

in·fer·no |é|
(latim infernum, -i)
substantivo masculino
2. [Religião] Lugar destinado ao castigo eterno da alma dos pecadores, por oposição ao céu. (Geralmente com inicial maiúscula.)
6. Coisa desagradável.
7. Desassossego, sofrimento.
8. Grande confusão ou gritaria. = INFERNEIRA

 

Vídeos partilhados até à exaustão no Facebook. Inferno da Luz. Lotação esgotada. #EstáTudoAP3n5arNoMesmo. #KONoDragão. Tremam. #SejaOndeFor. Coreografias. O Benfica no seu pico de forma, o FC Porto à beira do abismo. Fotos de perfil com uma tarja a dizer #Juntos. Tudo fazia crer que o Inferno da Luz estaria de volta.

 

Mas não.

 

Antes do jogo o speaker pediu-nos que prestássemos atenção aos ecrãs do estádio. Começa então a passar o vídeo da moda; o público comenta, ovaciona e aplaude. Acaba o vídeo e o primeiro "SLB Glorioso SLB" é-nos incitado pelo speaker para ser logo de seguida interrompido pela explicação do que fazer durante a coreografia. A equipa nunca mais entrava em campo e o hino nunca mais começava quando, por iniciativa própria, a Catedral explode num "Benfica dá-me o 35" em uníssono, momento que seria de arrepiar, se o speaker não estivesse constantemente a interromper. Começa o hino - aquilo que devia ser o catalisador do Inferno, torna-se um mero momento de karaoke: letra a passar nos ecrãs gigantes e a música muito alta. As colunas conseguem abafar as vozes de mais de 60 mil pessoas. Terminado o hino, começa então a tocar uma música digna de discoteca. O estádio volta a explodir em cânticos de apoio, que mal se ouviam dado o volume da música, porém o speaker volta a intervir com o cântico da sua escolha. "Oh Sport Lisboa E Benfica, o campeão" deu duas voltas, o jogo começou e com ele os assobios.

 

Volta o Inferno na Luz.

 

Assobios e insultos ao defesa direito do FCP, o que seria de esperar. Porém quando não estavam a assobiar, estava tudo calado. Um ocasional "SLB Glorioso SLB" que dura pouco mais de dois minutos. E mais silêncio. Os No Name Boys foram fieis ao que costumam ser em Clássicos: mudos. Os Diabos Vermelhos pouco se faziam ouvir. O restante público estava no cinema.

Eu entendo a existencia de pessoas que não se sentem confortáveis a cantar, que gostam de ver "a bola" sossegados, mas num jogo com esta dimensão isso não pode acontecer. É obrigatório o apoio à equipa, não pode ser só de vez em quando. Os assobios a um jogador insignificante nunca podem ser mais importantes que o apoio ao Benfica.


Estar 90 minutos a ouvir a claque adversária não é o Inferno da Luz, é o Inferno na Luz. Não é um senhor de microfone ou uma votação da Eurosport que diz que somos os melhores adeptos do Mundo. Nós somos os melhores adeptos do Mundo, a tirar selfies, a partilhar vídeos do Guilherme Cabral e a pedir camisolas aos jogadores.

 

O mítico mas recente minuto 70 foi apenas uma amostra do que devia ser sempre. Nada nem ninguém está acima do clube. Apoiem o BENFICA!

 

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publicado às 00:22


10 comentários

De Rosso a 15.02.2016 às 16:53

Apesar de ignorar as especificidades do relacionamento do Benfica com as claques Diabos Vermelhos e No Name Boys, tenho ideia que não lhes dá o mesmo apoio que o Porto dá aos Super Dragões, muito menos os envolve na vida e gestão do clube como o Porto o faz (veja-se os casos recentes de reuniões do plantel com elementos da claque). Esta eventual falta de envolvimento é natural que gere um desalinhamento entre os objetivos do clube e os das claques, não se potenciando a mais valia que estas são (não são somente problemas e vandalismo). O adepto comum do Porto (externo às claques) também não é assim tão apoiante quanto isso. Lembremo-nos da forma como passa os jogos a assobiar quando a equipa não deslumbra, mesmo que ganhe. Esta época tem sido mesmo paradigmática nesse aspeto. Os portistas presentes na Luz e que se fizeram ouvir eram essencialmente a sua claque. Penso que a falta de espírito coletivo dos adeptos do Benfica e, grosso modo, dos restantes clubes se deve a uma sociedade mais individualista que caracteriza os dias de hoje, sendo um fenómeno que ultrapassa o futebol. Recordo-me, a título de exemplo, de uma ida recente a Barcelona e em que verifiquei a forma como o clube é usado como um ponto de interesse turístico, com turistas de bem afastados da cultura catalã fazerem questão de ir a um jogo, sem "sentir" o clube da mesma forma que um adepto.
Em suma, penso que o Benfica poderia potenciar um pouco mais a sua relação com as claques e envolvê-las na organização do ambiente dos jogos. Não só traria benefícios do ponto de vista do espetáculo (dado ser, na minha opinião, mais espetacular ouvir os cânticos do que o speaker), como também traria outro estatuto e responsabilidade aos elementos das claques e, por ventura, prevenir determinados fenómenos de violência.
Curioso que tenham nos comentários criticado a gestão à moda "empresarial" do Benfica, quando grande parte dos adeptos acabam por ser "clientes" e não adeptos no sentido clássico do termo, procurando satisfazer necessidades do espírito. Na complexidade e exigência económica que é o mundo do futebol nos dias de hoje, se o Benfica ainda se pautasse por uma gestão associativa e clubística estaria em enorme desvantagem face aos concorrentes diretos. Querem uma solução para que o futebol deixe de ser um negócio? Não gastem nem mais um cêntimo em futebol e mercados dele derivados. Mas isso não é fácil, porque nós gostamos e "necessitamos" dele. Com efeito, é um mercado apetecível. Bem-vindos ao capitalismo, aliás, no futebol até chegou com umas décadas de atraso...

De Aires Gouveia a 16.02.2016 às 13:57

Rosso,


Concordo em parte com o que dizes, embora julgue que numa sociedade que como dizes é cada vez mais individualista, fenómenos como "ir à bola" ou ir a um concerto musical, acabam por ser dos cada vez menos acontecimentos que permitem a coexistência num espaço comum de pessoas que poderão ser e ter concepções de vida completamente diferentes, mas que devido a tal evento (p.e. estar num estádio de futebol) conseguirão juntar essas mesmas pessoas num mesmo espaço, ainda que durante um curto período de tempo, presas por um laço comum (neste caso ver um jogo e apoiar a sua equipa).
Creio mesmo que numa sociedade cada vez mais atomizada, fenómenos como "a bola" são mais que necessários.
Percebo a lógica "microeconómica" da oferta e da procura (pelo menos nos termos em que a apresentas), mas obviamente quando expresso alguma da minha insatisfação, deve-se ao facto da esfera mercantilista se sobrepôr à esfera da militância/activismo (se quisermos designar assim). Obviamente pago quotas (assim como redpass - muitas vezes com esforço e privando-me de certos luxos, tal como muitos), mas para além de me facultar acesso ao estádio entre outras coisas, permite-me que faça parte de uma organização chamada Sport Lisboa e Benfica onde igualmente posso (e devo) ter uma palavra.
Esta esfera "associativista" (eu prefiro chama-lhe "militante" ou "activista") tem sido completamente abafada pela esfera mercantilista (que atenção é necessária, não estou a dizer que não).
E o uso de speakers que orientam o público num apoio institucionalizado ao som de música altíssima a 140 batidas por minuto (como se a espontaneidade de o estádio com os seus breves momentos de silêncio antes do jogo fosse um crime), as coreografias previamente anunciadas em redes sociais - aguçando a curiosidade (percebo a lógica), mas também elevando as expectativas (que já em cima falei), matando mais vez a espontaneidade (fazendo lembrar aqueles anúncios de "flashmobs") e toda a importação de conceitos de entretenimento à americana, sempre positivos, podem soar um pouco falsos e levar a esta ideia que o apoio apenas se deve manifestar em momentos em que estamos por cima e não por baixo (quando em perda).

Obviamente com isto, não estou a ser extremista e a pedir o oposto. Reconheço virtudes na existência de um speaker (não tanto nos décibeis e no tipo de música usado, mas isso é gosto pessoal), assim como não me importo que empolguem as pessoas com pré-anúncios de coreografias ou que usem cheerleaders e afins. Não sou conservador ao ponto de querer tudo igual como à 50 ou 20 anos atrás, mas há conta, peso e medida.
Senão corremos o risco de ficarmos num "produto" igual a tantos outros. Corremos o risco de matar à partida qualquer proactividade e espontaneidade que possa surgir organicamente do meio da multidão (ou da massa associativa). Corremos o risco (que já ocorre em grande parte) de relaxarmos e sermos reactivos em matérias relacionadas com o clube (assinado de cruz tudo o que nos põem à frente).

Benfica tem uma longa tradição democrática e foi um clube que ficou grande em parte devido à proactividade da sua massa associativa e adepta, sendo a maior riqueza do mesmo estes mesmos sócios e adeptos.
Impor meramente uma esfera meramente mercantilista sobre a dimensão humana que construiu a grandeza do Benfica, é renegar a própria história e as origens do clube.

Posto isto, venha o Zenit! ;-)

De Rosso a 19.02.2016 às 09:28

Inteiramente de acordo. Não levei o meu comentário para a questão do associativismo e da responsabilidade dos sócios, bem mais significativa que a dos adeptos. Na minha opinião, o speaker, a cultura da Benfica TV e alguma parte do marketing do Benfica ainda tem muito para melhorar. Na falta de melhor termo, diria que falta "mística" ao marketing do Benfica (louvando a campanha retro collection das camisolas, apesar de não gostar do termo retro). No estádio é demasiado orientado para a cultura de massas. É preciso o pessoal do marketing perspetivar mais os adeptos do Benfica à luz do conceito da "long tail" e dar ao público menos do "óbvio" (i.e. cheerleaders, e "americanização" de toda a envolvência no estádio) e mais valor do ponto de vista cultural específico do Benfica e do país. A título de exemplo, o Benfica é um clube com um conceito muito saudosista dada a sua riqueza histórica, pelo que podia ser interessante no pré-jogo, ou no intervalo, apelar a factos históricos do clube e educar um pouco a generalidade do adepto para a história do clube. Imaginemos que ao intervalo, um grupo de crianças em campo reduzido (7 contra 7) recriavam alguns lances de jogos históricos do clube (p.e. o 3-6 em Alvalade de 93/94 ao som do relato da época, etc.). Quem diz isto, muitas outras ideias poderiam surgir aproveitando este conceito. Coisas como o lance do golo do Renato Sanches e da reação do Rui Costa ao golo são aspetos emocionais que ligam o passado ao presente/futuro, poderia aproveitar-se esse conceito, acho que tem potencial para abarcar a diversidade dos segmentos dos gostos e interesses dos cada vez mais informados e diversos adeptos do clube.

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